quarta-feira, 29 de abril de 2009

A urgência de Deus

É muito bom ler um texto elegante, claro, conciso e, o mais importante, profundo e sério como este produzido por Sérgio Paulo Rouanet sobre o retorno do religioso. Obviamente, este retorno não diz respeito às pessoas que não esperam nenhum retorno, pois, para elas, a religião nunca deixou de existir ou desapareceu. Este retorno, Rouanet deixa explícito, é na direção do pensamento secular e racional que são avessos, por definição, aos temas de natureza religiosa.

Rouanet chamou este fenômeno de “reencantamento do mundo”. Ao que parece, a visão de mundo que a modernidade oferece tem como consequência a perda do encantamento do próprio mundo. Tudo é muito racional, esquematizado, visando única e exclusivamente conquistas objetivas. Ao mesmo tempo estamos vivendo um tempo onde podemos facilmente constatar, se não a falência, pelo menos a necessidade de reavaliarmos este projeto da modernidade. Não será necessário listar aqui as inúmeras mazelas a que estamos sujeitos e a que estamos expostos.

Como mencionei, para muitas pessoas Deus nunca deixou de existir, daí não haver para elas nenhuma necessidade em pensar uma volta. Para muitas outras, porém, houve uma perda de alguma dimensão que tocava suas almas, daí esta fome de transcendência, esta nostalgia de Deus. Esta fome está sendo saciada, em parte, através da pequena lista fornecida por Rouanet: “new age”, esoterismo, pirâmides de cristal, I Ching, tarô, anjos, duendes e até mesmo a febre em torno de filmes como Harry Potter e o Senhor dos Anéis, exibidos nas salas de cinema do mundo inteiro, lugar onde podemos nos reconectar com a mitologia da alma. Apesar de podermos questionar a qualidade de alguns destes alimentos fica evidente que eles desempenham alguma função sobre a psique individual e coletiva. Sobre isto, a psicologia de Carl Gustav Jung tem uma grande contribuição a oferecer.

Há muito Jung já apontava o vazio espiritual de nossa época. Há muito já falava em um resgate das questões religiosas e de seus símbolos em modos que seriam mais digeríveis para os homens contemporâneos, em especial, para aqueles que perderam a fé.

Em seu ensaio sobre a fascinação pelos discos-voadores e toda a mitologia que cerca esta fascinação, Jung afirma que esta fome espiritual precisa de conteúdos numinosos para ser saciada. Numinoso é o termo que Jung toma emprestado de Rudolf Otto que, em seu estudo sobre a fenomenologia do sagrado, a ele se refere para explicar as emoções que se apoderam daqueles que passam por experiências que vivenciam como vindo de uma realidade superior e transcendente, mesmo que esta vivência seja tão banal quanto um filme hollywoodyano que se assiste comendo pipoca e bebendo coca-cola. Aliás, basta nos recordarmos de nossas primeiras idas ao cinema, ainda na infância, para termos noção do que é uma experiência numinosa. Esta experiência tem o poder de sacralizar qualquer objeto, ao passo que, mesmo os objetos definidos culturalmente como religiosos, quando perdem sua numinosidade perdem igualmente sua sacralidade.

Em resumo, a religiosidade e a questão de Deus (ou de Deus como questão), não são apenas temas que se (re)-tornam atuais, mas são temas de uma urgência para a saúde psíquica de todos nós.

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